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Banco público para quê?

O que vemos hoje é a destruição de todas essas políticas públicas. E o desmonte dos bancos públicos faz parte dessa estratégia

 

Adriana Nalesso*

 

Privatização: palavra que está na ordem do dia. Entre o ódio e a revolta, frases como “privatiza tudo”, “vamos acabar com os cabides de emprego” e “Estado só deve cuidar de saúde e educação” correm soltas nos posts e na boca do povo. Repetir sem refletir é tão fácil quanto perigoso.

Em meio a tanto radicalismo, levantamos, com convicção, a bandeira do diálogo e defesa dos bancos públicos. E antes que você, leitor ou leitora, tenha seu pensamento tomado pelas frases acima, convidamos à leitura de informações concretas sobre o papel dessas instituições.

Há razões políticas, econômicas e sociais para que bancos públicos existam na maioria dos países. No Brasil, basta pensar no crédito imobiliário, no crédito rural e no financiamento para infraestrutura e para as indústrias. Trocando em miúdos: a compra da casa própria, de equipamentos e sementes por agricultores, o investimento em tecnologia, a construção de estradas e pontes. Tudo isso passa pelos bancos públicos. A Caixa, o Banco do Brasil e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social são responsáveis por 80% do financiamento do crédito de longo prazo no Brasil.

São essas instituições também que viabilizam os projetos sociais que têm papel fundamental na redução da desigualdade no país. De 2011 a 2016, as loterias da Caixa arrecadaram R$ 60 bilhões. Desse total, R$ 27 bilhões foram destinados para áreas sociais. Programa de Financiamento Estudantil, o Fundo Penitenciário Nacional e programas de incentivo ao esporte e à cultura estão entre os beneficiados. Estes recursos não podem e não devem estar na mão de bancos privados que visam ao lucro, não o bem-estar social.

O que vemos hoje é a destruição de todas essas políticas públicas. E o desmonte dos bancos públicos faz parte dessa estratégia. Um exemplo concreto é o do Banco do Brasil, que em menos de um ano fechou 570 agências no país e no exterior.

Defender os bancos públicos é defender empregos de bancárias e bancárias de todo o país que prestaram concurso e construíram suas carreiras nestas instituições. Mas é, principalmente, manter a luta por um país melhor e para todos e todas, não apenas para os grandes banqueiros que aguardam ávidos a oportunidade de colocar a mão nesse patrimônio que pertence ao povo brasileiro.

 

* Adriana Nalesso é bancária do Bradesco, economista e presidenta do Sindicato dos Bancários do Município do Rio de Janeiro

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Retrocesso Brasil: a arte em risco

Frei Betto*

 

Qual o limite da expressão artística? A pergunta volta à baila após a repressão à liberdade de manifestação estética promovida pelo MBL (Movimento Brasil Livre) no Santander Cultural, em Porto Alegre, com desdobramentos em outros museus do país.

A arte é transgressora por natureza. Nos faz pensar. É o espelho que reflete o nosso inconsciente. Narciso pode quebrá-lo por se achar feio. A feiura, contudo, não está no espelho…

A arte molda a nossa sensibilidade. Diz respeito à emoção. Quando a ela se sobrepõe a razão, em especial a razão cínica, que a sufoca com interesses políticos e moralismo religioso, perde a nossa humanidade e emerge a brutalidade.

As tragédias gregas nos legaram a arte teatral e são referência básica da psicanálise. Por retratarem incestos, feminicídios e homossexualidade, devem ser proibidas nas escolas e queimadas em praça pública?

A cerâmica Oinoche, da Grécia (430-420 a.C.), com suas figuras eróticas, deve ser destruída em nome dos bons costumes? Devemos apagar as pinturas rupestres e as esculturas paleolíticas da civilização Moche, que habitou o norte do Peru entre 100 a.C. e o ano 800?

As joias em ouro e prata e cerâmicas pré-colombianas, nas quais cenas de sexo foram estilizadas, hoje espalhadas pelos museus da América Latina, devem ser lançadas ao fogo?

E as vulvas estilizadas do gótico e das colunas do Palácio da Alvorada, derrubadas a marretadas?

Michelangelo pintou nus em o “Juízo Final”, na Capela Sistina. A hipocrisia da Inquisição obrigou o pintor Daniel de Volterra a cobrir todos eles. Felizmente o papa João Paulo II mandou restaurar a arte original.

 

* Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.
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© Copyright 2017 – FREI BETTO – Favor não divulgar este artigo sem autorização do autor. Se desejar divulgá-los ou publicá-los em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, entre em contato para fazer uma assinatura anual. – MHGPAL – Agência Literária (m[email protected])</em>

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Domínio global

Frei Betto*

 

Noam Chomsky, teórico estadunidense que revolucionou a linguística moderna, comprova que após a Segunda Grande Guerra (1939-1945) os EUA puseram em prática a estratégia de domínio global. O governo do presidente Franklin D. Roosevelt havia decidido que controlar as reservas energéticas do mundo, em especial dos países produtores de petróleo, traria a seu país “um controle substancial do mundo”.

O Departamento de Estado, que cuida da política externa usamericana, visualizou o domínio de uma Grande Área na qual estariam incluídos todo o hemisfério ocidental, o Extremo Oriente e os territórios do antigo Império Britânico. Dentro dessa Grande Área os EUA manteriam um “poder inquestionável”, com “supremacia militar e econômica”, e garantiriam a “limitação de qualquer exercício de soberania” por parte dos países que pudessem interferir no projeto de domínio global.

Por temer que a Europa Ocidental de pós-guerra adotasse um rumo independente da hegemonia controlada por Washington, os EUA criaram a OTAN, em 1949. O pretexto foi unir forças para conter a ameaça soviética que dividia o continente europeu em dois sistemas delimitados pelo Muro de Berlim.

Ao decidir pôr fim ao socialismo soviético, Gorbachev exigiu da OTAN o compromisso de não avançar sobre o Leste europeu. Bastou cair o Muro de Berlim para que o acordo fosse ignorado. Desde então, a OTAN se tornou uma força de intervenção. Segundo Jaap de Hoop Scheffer, seu secretário-geral entre 2004 e 2009, cabe às tropas da OTAN “vigiar os oleodutos que transportam petróleo e gás em direção ao Ocidente” e as rotas dos navios petroleiros.

O princípio estratégico do domínio global foi reafirmado por Clinton, que declarou ter seu país o direito de usar força militar para garantir o “acesso irrestrito aos principais mercados, abastecimentos energéticos e recursos estratégicos”, e deve manter tropas “permanentemente mobilizadas” na Europa e na Ásia, “a fim de moldar as opiniões das pessoas sobre nós” e de “configurar os eventos que afetam a nossa subsistência e segurança”.

Tais princípios resultaram na invasão do Iraque, do Afeganistão, da Líbia e da Síria. Em 2007, a Casa Branca decidiu que as tropas usamericanas se mantivessem por tempo indefinido no Iraque, de modo a privilegiar investidores ianques.

A chamada Primavera Árabe, em especial no Egito e na Tunísia, foi mero jogo de cena típico do provérbio de Lampedusa: mudar para que tudo fique como está. Trocaram-se governos, não os regimes ditatoriais. Os EUA estão dispostos a tudo para impedir que a democracia vigore no mundo árabe.

O desprezo da elite estadunidense pela democracia revelou-se de modo eloquente quando vazaram as informações do WikiLeaks. Os fatos ali revelados não foram desmentidos, mas os responsáveis pelos vazamentos mereceram condenação sumária.

 

 

(Fontes: Noam Chomsky, “Hopes and Prospects”, Chicago, Haymarker Books, 2010, 55 e 62. Do mesmo autor, “Quem manda no mundo?”, São Paulo, Planeta, 2017. Laurence H. Shoup e William Minter, “Imperial Brain Trust: The Council on Foreign Relations and United States Foreign Policy”, NY, Monthly Review Press, 1977, 130. Gerard Van Bilzen, “The development of AID”, Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2015, 497. http://georgewbush-whitehuse.archives.gov/news/releases/2007/11/20071126-11.html).

 

 

* Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Heródoto Barbeiro, de “O budista e o cristão – diálogo pertinente” (Fontanar), entre outros livros.
freibetto.org   Twitter: @freibetto

 


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A reforma trabalhista não é resultado de uma “canetada”

A análise correta, a mais próxima possível da realidade, é a ferramenta para ação política com menos erros possíveis

Marcos Verlaine*

A Nova Lei da Reforma Trabalhista (17.467/17) — que entre outras mazelas, restringe o acesso à Justiça do Trabalho, retira poderes e atribuições dos sindicatos, amplia a negociação coletiva sem o limite ou a proteção da lei e adota novos modelos de contratos de trabalho, em especial, o autônomo exclusivo e o intermitente — é resultado da captura do governo e do Congresso pelo capital, que contou com o acúmulo político e a força da bancada empresarial no Poder Legislativo.

Portanto, a partir desta reflexão pode-se concluir que a “Reforma” Trabalhista não é resultado de uma “canetada”, obra do acaso ou de uma improvisação de momento. A “reforma”, como escreveu o assessor do DIAP, André dos Santos é “uma tragédia anunciada”. Todo o conteúdo da Nova Lei faz parte do velho Consenso de Washington, da década de 1980, cujo propósito é “regulamentar restrições e restringir direitos”, como outrora disse o diretor técnico do DIAP, Ulisses Riedel de Rezende.

Entender esta lógica inicial ajuda a compreender como e porque chegamos nesta conjuntura de destruição, sem as reações necessárias dos trabalhadores, a partir de suas organizações representativas. O movimento sindical não acreditou na força e no poder de o mercado impor sua visão de mundo no que diz respeito às relações de trabalho, aprovando uma legislação laboral que protege as empresas e que deixa os trabalhadores à mercê da desproteção legal, pasmem, com amparo legal.

Trocando em miúdos: o mercado destruiu a CLT, que minimamente protege os trabalhadores, até outubro, e criou uma lei que passa a proteger as empresas, a partir de novembro.

Por outro lado, sem entender essa lógica ou simplesmente acreditar que tudo que está acontecendo foi “de repente” ou por meio de “canetada” inviabiliza ou no mínimo atrapalha a construção de saídas para a profunda crise que passa a classe trabalhadora.

A “Reforma” Trabalhista é uma tragédia anunciada porque a Nova Lei é resultado do “sonho de consumo” há muito acalentado pelo mercado, que nunca perdeu a oportunidade de, no Congresso Nacional, tentar aprovar leis que precarizassem as condições de trabalho e renda dos assalariados.

São centenas de proposições em tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, que o DIAP sistematicamente chamou e chama a atenção como “ameaças” aos direitos dos trabalhadores.

Essas proposições, é importante que se diga, nada tem a ver com bondade ou maldade, são fruto dos interesses do mercado e do capital de aumentarem o lucro, mesmo que seja em detrimento da precarização de vida dos trabalhadores. É a boa e velha luta de classes. Que se imaginava ter acabado.

Se repararem bem, a chamada Reforma Trabalhista nada mais é que a junção de várias proposições da bancada empresarial, portanto de interesse do mercado, numa peça única. Por isso, é um grave erro de análise imaginar que esse grande e gravoso ataque aos direitos dos trabalhadores ocorreu “de repente” ou nasceu a partir de uma “canetada”.

Análise correta

As coisas ou acontecimentos bons ou ruins, em geral, nunca ocorrem de repente. É resultado de um acúmulo, para o bem ou para o mal. Assim, um caminho ou outro que os acontecimentos percorrem é sempre fruto de um determinado acúmulo do que se fez ou se deixou de fazer. Não há acasos no resultado do processo político que ora trilhamos e vivemos.

A análise correta, a mais próxima possível da realidade, é a ferramenta para ação política, com menos erros possíveis. O contrário também é verdadeiro.

Talvez, acredito, entre outras várias razões, a ausência de ações concretas e permanentes na base dos trabalhadores, como formação política e organização para luta tenham contribuído para o estado de inação que levou o movimento sindical a ficar falando sozinho quando havia a necessidade de forte e robusta mobilização nacional contra a destruição da CLT.

Por isso, a Lei 13.467, que entrará em vigor em novembro, não é resultado de uma “canetada”. Muito pelo contrário! É produto de grande arranjo político e social, que envolveu vários atores, dos poderes da República, passando pela mídia, até o mercado, autor original da proposta que foi sancionada em tempo recorde pelo presidente Michel Temer (PMDB).

 

(*) Jornalista, analista político e assessor parlamentar do Diap

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A delação de Palocci e o dilema do PT

Frei Betto*

 

Deixou-me um sentimento de profunda tristeza a delação do ex-ministro Palocci. Em Ribeirão Preto, ele iniciou sua militância na pastoral juvenil da Igreja Católica. Depois, atuou no movimento trotskista e ingressou no PT, graças ao qual fez uma carreira política meteórica: vereador e duas vezes prefeito de Ribeirão Preto (SP), deputado estadual em São Paulo, ministro da Fazenda do governo Lula e chefe da Casa Civil do governo Dilma.

Formado em medicina, revelou-se exímio economista. Sua fala mansa e ponderada, a capacidade de encobrir emoções, apesar das raízes italianas, fizeram com que setores da esquerda e da direita o admirassem e o considerassem confiável.

Lula teria preferido Palocci como seu sucessor, não fossem as acusações feitas no episódio envolvendo um caseiro de Brasília, em 2008, do qual foi inocentado pelo STF no ano seguinte.

Palocci é a primeira voz do núcleo duro do Planalto na gestão Lula a torpedear o seu líder. Pressionado pela reclusão carcerária, recorreu à única saída legal para tentar sair da prisão: a delação premiada. Denunciou Lula como “capo” da “cosa nostra” entre o PT e a Odebrecht.

Terá ele dito a verdade? O ex-senador pelo PT Delcídio Amaral fez o mesmo e, hoje, a Justiça atesta que ele mentiu. As investigações haverão de mostrar se as acusações têm ou não fundamento.

Palocci deixou o PT em uma sinuca shakespeariana. Se o partido não se posicionar diante de tão graves ofensas a seu líder e fundador, reforçará a velha sentença de quem cala consente. Se o PT realmente está convicto de que tudo é mentira e Lula merece ser defendido, só lhe resta uma atitude: a expulsão sumária de Palocci.

Já passou o tempo de o PT fazer autocrítica. Quem não deve não teme. E ao fazê-la só dará munição à direita se, de fato, tiver culpa no cartório.

 

* Frei Betto é escritor, autor de “Ofício de escrever” (Anfiteatro), entre outros livros.
freibetto.org     twitter: @freibetto

 


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Como sonegar e culpar a Previdência

Frei Betto*

 

Pagar menos impostos é fácil no Brasil. Basta ser empresário, tomar dinheiro emprestado do governo e depois recorrer ao pai de todas as sonegações, o chamado Refis (Programa de Recuperação Fiscal).

Na hora de pagar a dívida, você recorre e o governo negocia em condições mais do que de mãe para filho. Mas não se apresse. Deixe de pagar e aguarde o próximo Refis, pois com certeza os juros serão ainda mais baixos.

O governo brasileiro tem a receber, de impostos atrasado, uns R$ 300 bilhões. Parcela dessa dívida o gato comeu, pois os devedores já faleceram ou as empresas faliram. E quando se deixa de pagar imposto isso significa menos hospitais, menos escolas, menos obras públicas, enfim, menos benefícios para a população.

O governo não perdoa dívida de pessoa física, mas é uma mãe com as pessoas jurídicas. Se a sua empresa deixou de pagar impostos, mas é produtiva, fique tranquilo. O leão não vai mordê-lo. Vai esperar mansinho que você se recupere…

O próximo Refis deveria engordar os cofres do governo em R$ 13 bilhões. Mas o deputado Newton Cardoso Júnior (PMDB-MG), relator da Medida Provisória do novo Refis, agiu em interesse próprio, já que tem dívidas, e reduziu a proposta do Refis em 90%. Se o projeto dele for aprovado, o leão vai morder apenas R$ 500 milhões dos 13 bilhões previstos.

E os R$ 12,5 bilhões que ficarão faltando? Ora, nós, cidadãos brasileiros, arcamos com o prejuízo. Detalhe: deputados federais e senadores devem ao fisco pelo menos R$ 3 bilhões.

Como cobrir o buraco nas contas do governo? Temer simplesmente aumentou este ano o PIS/Cofins que pagamos ao botar combustível no carro, o que assegura à Receita uma entrada de R$ 10 bilhões, e meteu a tesoura em mais R$ 5,9 bilhões, corte que significa menos saúde, menos educação etc. Em nome do ajuste fiscal, o presidente já havia cortado R$ 45 bilhões.

Poucos dias antes de a Câmara dos Deputados obstruir a Justiça e impedir que o presidente fosse investigado pelo STF, Temer editou Medida Provisória que livra os produtores rurais de pagar, nos próximos anos, mais de R$ 10 bilhões de impostos. Foi reduzida a alíquota paga por eles ao Funrural. E os ruralistas com dívidas com a União terão descontos nas multas e poderão pagar de forma parcelada.

Para a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, a medida retira recursos da Previdência em um momento em que o governo propõe mudanças nas regras de aposentaria para conter o déficit do INSS, e beneficiará grandes empresas.

Segundo números da Receita Federal, somente com o perdão de juros e multas a perda de arrecadação será de R$ 7,6 bilhões em 15 anos, prazo de parcelamento dos débitos. Com a redução da alíquota do Funrural, o governo deixará de receber R$ 4,36 bilhões entre 2018 e 2020. Somadas, as perdas com perdão de juros e multas, e com a redução da alíquota, chegam a R$ 11,96 bilhões. E esse valor pode ser maior se a redução da alíquota vigorar além de 2020.

E ainda dizem que a culpa da falta de dinheiro do governo é da Previdência Social.

 

* Frei Betto é escritor, autor de “Paraíso perdido – viagens ao mundo socialista” (Rocco), entre outros livros.
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Roubaram a esperança?

 

Frei Betto*

 

Se você já não enxerga perspectiva de futuro, despreza políticos e a política, recolhe-se à sua esfera privada, é sinal de que lhe roubaram a esperança.

Se já não suporta o noticiário, acredita que a espécie humana deu errado e todas as libertações resultam em opressões, saiba que lhe roubaram a esperança.

Se destila ódio nas redes digitais, desconfia de todos que proferem discursos sobre ética e preservação do meio ambiente, e confia apenas em sua conta bancária, esteja certo, roubaram-lhe a esperança.

Se não curte mais sonhos de um futuro melhor, não injeta utopia na veia e não assume seu protagonismo como cidadão, preferindo se isolar em sua redoma de cristal, é sinal de que lhe roubaram a esperança.

Os amigos de Jó tudo argumentaram para que ele abdicasse da esperança. Como teimava em mantê-la acesa se havia perdido terras, riquezas e família? Jó não introjetou a culpa, não jogou sobre os ombros de outrem os males que o afligiam, não abominou os revezes que o acometeram.

Reza o poema de Franz Wright, inspirado na prece da poeta persa Rabi’a al-Adawiyya, “Deus, se pronuncio meu amor por você por medo do inferno, incinere-me nele; / se pronuncio meu amor por ansiar pelo paraíso, feche-o em minha face. / Mas se com você eu falo apenas porque você existe, pare / de esconder de mim sua / infinita beleza.”

Nessa gratuidade da fé, da esperança e do amor é que Jó se sentiu recompensado ao contemplar a infinita beleza: “Te conhecia só por ouvir dizer. Mas, agora, meus olhos te viram” (42, 5).

Como escreveu Spinoza em seu “Tratado teológico político”, “um povo livre se guia pela esperança mais do que pelo medo; o que está oprimido se guia mais pelo medo do que pela esperança. Um almeja cultivar a sua vida. O outro, suportar o opressor. Ao primeiro, eu chamo livre. Ao segundo, chamo servo.”

Você, como eu, é vítima de promessas que se transformaram em ilusões que desembocaram em frustrações. Nem por isso admito que me roubem a esperança.

O segredo? Simples. Não me prendo ao aqui e agora. Olho as contradições do passado, marcado por retrocessos e avanços. Quantas batalhas perdidas resultaram em guerras vitoriosas? E quantos imperadores, senhores da vida e da morte, dos Césares a Átila, o huno; de Napoleão a Hitler; acabaram enxovalhados pela história?

Encaro o futuro em longo prazo. Sei que não participarei da colheita, mas faço questão de morrer semente.

Não creio em discursos nem amarro a minha esperança no paraquedas de algum avatar que promete salvação em curto prazo. Exijo programas e projetos, e julgo seus portadores por critérios rígidos. Procuro conhecer-lhes a vida pregressa, o compromisso com os movimentos sociais, sua ética e valores.

Sei que o futuro será o que fizermos no presente. Não espero milagres. Arregaço as mangas, convicto de que “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.

A esperança é uma virtude teologal. A fé crê; o amor acolhe; a esperança constrói. Assim como o caminho se faz ao caminhar, a esperança se tece como o alvorecer no poema de João Cabral de Melo Neto: “Um galo sozinho não tece a manhã: / ele precisará sempre de outros galos. / De um que apanhe esse grito que ele / e o lance a outro: de outro galo / que apanhe o grito que um galo antes / e o lance a outro; e de outros galos / que com muitos outros galos se cruzam / os fios de sol de seus gritos de galo / para que a manhã, desde uma tela tênue, / se vá tecendo, entre todos os galos.”

Gosto do verbo esperançar – estender o fio de Ariadne que nos conduz a todos para fora do labirinto. É um esforço coletivo, uma ação comunitária, um mutirão que nos irmana na certeza de que de dentro da pedra corre o filete de água que forma o córrego, faz o riacho, vira rio e rasga a terra, rega campos, alimenta ribeirinhos, até se somar ao leito do oceano.

Como diz Mário Quintana em “Das utopias”, “Se as coisas são inatingíveis… ora! / Não é motivo para não querê-las… / Que tristes os caminhos, se não fora / A mágica presença das estrelas!”

 

* Frei Betto é escritor, autor de “Ofício de escrever” (Anfiteatro), entre outros livros.

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Reconhecer conquistas, preservar direitos

Por Adriana Nalesso*

 

Na atual conjuntura política e econômica que estamos vivendo muitas vezes fica difícil saber o que esperar deste governo que atenta a todo o tempo contra os direitos dos trabalhadores. Direitos estes que foram duramente conquistados em mais de uma década de muita luta das diversas categorias.

O desmonte dos bancos públicos e as constantes ameaças de privatização, sem levar em conta o papel social desenvolvido principalmente pela Caixa e de fomento à economia do país, destacando o BNDES e a atuação do Banco do Brasil na área rural, deixam claro que os planos do governo Temer não incluem os trabalhadores e muito menos a população mais pobre. Os empresários, banqueiros, latifundiários são os maiores beneficiados com as políticas implantadas. Com isso, o país continua refém de uma elite que há anos controla a economia e consequentemente os trabalhadores. Eles não aceitam perder, nem dividir. E já revelaram, com o golpe, as armas que utilizam.

Com tudo isso, e com muito mais que pode vir pela frente, o futuro do país se desenha bastante incerto. Dentro desse quadro, o acordo bianual que a categoria bancária fechou no ano passado foi, sem dúvida, uma estratégia acertada. Conseguir manter as cláusulas da Convenção Coletiva de Trabalho por no mínimo dois anos, em uma conjuntura em que temos nossos direitos usurpados, por si só, já é algo a ser comemorado.

Além disso, garantimos a reposição da inflação e mais 1% de ganho real em um cenário em que a prioridade dos banqueiros é demitir, terceirizar e não negociar aumento salarial.

Várias categorias que tiveram negociação salarial no primeiro semestre deste ano não conseguiram nem ao menos a reposição da inflação. As poucas que foram além desse patamar conquistaram, no máximo, ganho real de 0,4%. Por mais que algumas pessoas resistam a admitir, nosso acordo bianual foi sim satisfatório dentro das circunstâncias em que vivemos. Não podemos nos enganar e achar que conseguiríamos uma negociação melhor com os banqueiros nesse momento em que o governo impõe suas reformas liberando os patrões para negociar como e quando quiserem.

O acordo 2016/2018 fortaleceu a categoria e manteve a unidade nacional entre os bancos públicos e os bancos privados. Apresentamos e negociamos nossas reivindicações em uma mesa única. Somos a única categoria de trabalhadores que dispõe de acordo nacional. De norte a sul do país, as bancárias e bancários possuem os mesmos direitos.

Nossa campanha este ano será por preservação dos empregos, manutenção dos nossos direitos e defesa dos bancos públicos. Temos consciência de que não será mais fácil do que nos anos anteriores. Precisamos manter nossa unidade e mostrar capacidade e força para garantirmos os nossos postos de trabalho. Só a luta nos garante!

 

* Adriana Nalesso é funcionária do Itaú, economista e presidenta do Sindicato dos Bancários Rio de Janeiro

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A CUT e o imposto sindical

Vagner Freitas*

 

Na avaliação da CUT, o Imposto Sindical tem de acabar. Ele não ajuda na renovação nem na construção de um sindicalismo mais plural e arejado no Brasil. Defendemos a substituição do Imposto Sindical por uma contribuição negocial aprovada pelos trabalhadores em assembleia, com piso e teto definidos e que, para existir, o sindicato tenha um percentual de associados pré-determinado, transparência nas contas, com realização de assembleias de prestação de contas, previsão orçamentária e que os trabalhadores tenham acesso total às contas da entidade.

A CUT pode sobreviver sem o imposto sindical. Não é verdade que nenhum sindicato no Brasil consiga. Mas também é preciso lembrar que o Brasil tem de superar práticas antissindicais, fundamentalmente no setor público, que não tem direito a associação sindical, não tem data-base, não tem direito a negociação coletiva. Boa parte das greves no setor público é para abrir negociação. No setor privado, se o trabalhador se associa ao sindicato, a empresa demite. Se a empresa puder impedir a associação, impede. O sindicato não tem acesso ao local de trabalho, temos raras exceções. No campo, os dirigentes são assassinados pelo exercício da atividade sindical.

Porém, mesmo sendo historicamente contra o Imposto Sindical, a CUT não concorda com a alteração nesse momento, porque o que Temer e os empresários querem fazer é enfraquecer o movimento sindical, alegando que ele existe só por causa dos recursos públicos e que sindicato não é importante para a vida do trabalhador. Duas afirmações mentirosas. Primeiro: não é verdade que os recursos são públicos, são dos trabalhadores. Segundo: sem sindicatos os trabalhadores ficarão à mercê dos patrões e dos seus prepostos do RH, especialmente após a aprovação da nefasta reforma trabalhista que, entre outras desgraças, prevê que os trabalhadores podem negociar sozinhos, sem intervenção do sindicato da categoria, questões como demissões e férias, entre outras.

Além de golpista, esse governo não tem legitimidade para propor qualquer tipo de mudança, nem do imposto sindical, porque eles não foram eleitos para isso. Nunca se debateu isso na sociedade. Se o governo quiser fazer alguma proposta desse tipo, a CUT concorda em debater desde que se eleja o presidente da República, renove-se o Congresso Nacional, dê-se legitimidade aos poderes e, depois, coloque-se na mesa os problemas que têm e devem ser debatidos na sociedade.

É por tudo isso que a CUT não vai se reunir com o governo golpista no dia 19. Só negociamos com quem tem legitimidade. Não conseguimos criar uma contribuição assistencial nem no governo Lula, que tinha 80% de aprovação, imagine no de Temer, que tem menos de 7%.

 

*Vagner Freitas é bancário e presidente da CUT

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Vote Brasil 2018

Frei Betto *

Já que tudo indica que Temer permanece à frente do governo até dezembro de 2018, dado que a sua base aliada no Congresso decidiu obstruir a Justiça, fica a pergunta: a quem eleger para sucedê-lo?

Pesquisas eleitorais que já tiveram início destacam uma dúzia de prováveis candidatos. E os eleitores reagem de diferentes formas. Há os que já decidiram não votar. É a turma do Partido Ninguém Presta. Atitude meramente emocional. Quem tem nojo de política é governado por quem não tem. E tudo que os maus políticos querem é que viremos as costas à política para dar a eles carta branca.

Há os que votarão no próprio umbigo em defesa de seus interesses corporativos, como os eleitores da bancada do B: boi, bala, bola, bancos e Bíblia. Esses escolherão candidatos afinados com o latifúndio, o desmatamento da Amazônia, o extermínio dos indígenas, o mercado financeiro, a homofobia, a privatização do patrimônio público e o Estado mínimo.

Um contingente de eleitores votará em quem seu mestre mandar. É o rebanho eleitoral, versão pós-moderna do coronelismo, agora substituído por padres e pastores, figuras midiáticas e chefes de organizações criminosas.

Há ainda o eleitor que se deixará levar pela propaganda eleitoral. Votará em quem lhe parecer mais simpático, sem sequer conhecer os projetos políticos do candidato. É aquela empatia olho no olho que não vê mente, coração e bolsos…

E há os que votarão em candidatos progressistas, ou naqueles que assim se apresentarão nos palanques, na esperança de resgatar os direitos cassados pela atual reforma trabalhista e corrigir os desmandos do governo Temer, para que o país volte a crescer e ampliar seus programas sociais.

Ora, devemos votar no Brasil que sonhamos para as futuras gerações. Isso significa priorizar programas e projetos, e não candidatos. Um país no qual coincidam democracia política e democracia econômica. De que vale o sufrágio universal se não repartimos o pão?

Votar no Brasil que requer profundas reformas estruturais, como a tributária, com impostos progressivos; a agrária, com o fim do latifúndio e do trabalho escravo; a política e a judiciária. Brasil que promova os direitos das populações indígenas, quilombolas e ribeirinhas. Brasil de democracia participativa e no qual o Estado seja o principal indutor do desenvolvimento, com distribuição de riqueza e preservação ambiental.

Fora disso, tudo ficará como dantes no quartel de Abrantes. Ou pior.

Votar é importante, mas não suficiente. Porque no Brasil tradicionalmente nós votamos e o poder econômico elege. Em 2018, porém, será a primeira eleição para o Congresso e a presidência da República na qual as empresas não poderão financiar campanhas políticas, como faziam as que estão denunciadas pela Lava Jato. Isso não significa que o caixa dois será extinto. Seria muita ingenuidade pensar que políticos que se lixam para a ética não haverão de encontrar formas de obter dinheiro ilegal.
Por isso, é um erro jogar nas eleições todas as fichas da nossa esperança em um Brasil melhor. O mais importante é investir no empoderamento popular. Reforçar os movimentos sociais e sindicais, intensificar o trabalho de formação política e consciência crítica, dilatar os espaços de pressão, reivindicação e mobilização. Só conseguiremos mudanças significativas se vierem de baixo para cima.

 

* Frei Betto é escritor, autor de “Reinventar a vida” (Vozes), entre outros livros.
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