Rende novos capítulos – e agora, repercute também na mídia nacional – a briga entre o governador Roberto Requião, do Paraná, e o jornal Gazeta do Povo. O tradicional diário, que acaba de completar 87 anos, abandonou nesta quarta-feira (08/02), ineditamente, sua imparcialidade em relação a políticos e governantes para, em comunicado aos leitores, informar sua posição no episódio. No texto publicado na capa sob o título “Aos leitores”, o governador do Paraná é classificado de “temperamental e truculento”; e o diário reafirma seu compromisso com o público e a liberdade de imprensa.
O texto gerou grande repercussão – até o final da tarde, a Redação do jornal havia recebido dezenas de e-mails manifestando apoio. O diretor de redação da Gazeta, Nelson Souza, falou novamente ao Comunique-se para comentar o editorial (leia a entrevista abaixo).
O episódio
Depois de criticar publicamente a Gazeta do Povo em reunião com o secretariado no dia 31/01, e ameaçar suspender verbas publicitárias do Estado para o diário – que pertence à RPC, maior grupo de comunicação do
Paraná – o governador Roberto Requião havia voltado à carga na reunião-geral desta terça (07/02), acusando mais uma vez a Gazeta de ser um jornal “mentiroso”.
Logo depois do espisódio da semana anterior, apareceram outdoors por toda Curitiba – foram cerca de trinta anúncios – com o slogan “PMDB adverte: Gazeta do Povo mente”. O PMDB, partido de Requião, teria pago os anúncios.
O jornal O Estado de S.Paulo e o blog do jornalista Ricardo Noblat noticiam o caso. Na internet, nesta terça (07/02), Noblat reproduz a matéria do Estadão, com o título “Roberto Requião e PMDB perseguem jornal do Paraná”. Em entrevista ao jornal paulista, o diretor de redação da Gazeta do Povo, Nelson Souza, havia dito que a direção do jornal cogitava processar os responsáveis pelos anúncios.
Hoje (08/02), a própria Gazeta, em carta aos leitores publicada na capa do jornal e reproduzida na internet, confirma que recorrerá à Justiça. O jornal assume um tom mais agressivo em alguns trechos: “Uma palavra final em respeito aos nossos milhares de leitores. A Gazeta do Povo não pretende mais tratar desse infeliz episódio dos outdoors, mas fará uso dos instrumentos legais na instância judicial para enquadrar aqueles que a injuriam. Nosso jornal já completou 87 anos e ao longo dessa longa jornada teve oportunidade de observar dezenas de governadores e de governos. Já viu desfilarem pela vida pública paranaense muitos governantes operosos e outros menos; governantes probos e outros que não deixaram saudades; administradores com visão estratégica e governantes obcecados pelo próprio umbigo. Ter de conviver com um governador temperamental e truculento não chega a ser um fardo insuportável, é apenas bizarro”.
Na versão impressa e no site, a Gazeta do Povo vinha repercutindo quase que diariamente o caso dos outdoors e das críticas de Requião – motivadas por uma reportagem em que o jornal mostrava que as praias do Paraná são as mais poluídas do Sul do Brasil. As reportagens da Gazeta, ao longo desta semana, buscam mostrar quem seriam os responsáveis pelos anúncios, trazem a repercussão (negativa) entre outros políticos e outros partidos, e a posição do PMDB. Na edição de terça (07/02), o jornal diz que o “PMDB nacional cobra explicações de Requião sobre os outdoors contra a Gazeta do Povo”.
Em entrevista ao Comunique-se, logo depois da primeira saraivada de críticas do governador, o diretor de Redação da Gazeta, Nelson Souza, havia dito que o jornal segue uma linha editorial equilibrada e que os fatos importantes para a população são relatados, não importa se a notícia saia do governo do Estado ou não. Benedito Pires, assessor de imprensa de Requião, havia reafirmado a opinião do governador, de que a Gazeta teria praticado mau jornalismo por não ouvir o “outro lado” – no caso, relatar os investimentos do atual governo em saneamento no litoral – e falou que Requião exerceu seu direito de cidadão ao criticar a imprensa.
Sites e colunas políticas do Paraná também continuam repercutindo o caso. O Sindicato dos Jornalistas do Paraná distribuiu manifesto em apoio ao jornal, classificando a ameaça de Requião de censura à imprensa.
Nelson Souza concedeu a seguinte entrevista:
Comunique-se: É a primeira vez que a Gazeta assume uma posição desta forma em relação a um governante. O editorial de hoje configura um rompimento do jornal com o governador Roberto Requião?
Nelson Souza: Não é um rompimento. A Gazeta vai continuar mantendo sua linha editorial: publicar os fatos que interessam ao público, com imparcialidade, não importando de onde venha a notícia.
C-se: Então a Gazeta do Povo não se tornou um jornal da oposição, a partir de hoje?
NS: De maneira nenhuma. Nossa cobertura continuará da mesma forma, sem atrelamentos políticos. Continuaremos dando cobertura às ações do governo do Estado com independência – se forem boas, importantes para a população, se forem equivocadas, se falharem. Nosso compromisso é com o leitor.
C-se: Como surgiu a idéia de publicar esse editorial, na edição de hoje? Foi porque ontem o governador voltou a atacar a Gazeta na reunião com o secretariado?
NS: Não exatamente. A direção do jornal decidiu que havia chegado a hora de dar uma resposta. Mas veja bem: a resposta é para o nosso leitor, não é um recado para o governador. Por isso mesmo o título do texto é “Aos Leitores”. A direção da Gazeta, e nós da direção de redação, concluímos que era hora de
mostrar o posicionamento do jornal, esclarecer nosso pensamento, junto ao público, perante esse episódio dos outdoors acusando a Gazeta de ser um jornal mentiroso, que consideramos uma acusação injusta. A decisão saiu da diretoria e passou pela redação. Concluímos que, se o governador nos atacou publicamente, nossa resposta deveria ser, igualmente, pública – e a capa do jornal é o melhor espaço para isso.
C-se: Repórteres, editores, chefes, estão preparados para eventuais represálias? Por exemplo: recusa de conceder entrevistas por parte de secretários ou funcionários de alto escalão; algum repórter ser discriminado
em coletivas do governo, ou atitudes assim?
NS: Cada caso é um caso, cada matéria terá seus cuidados em manter a imparcialidade. Como eu disse – vamos continuar cobrindo as ações do governo do Estado. Nós não vamos parar de fazer reportagem. Mas vamos com o espírito desarmado. Veja, o editorial de hoje não representa uma campanha contra o governo. A Gazeta não está iniciando uma cruzada contra o governador Requião.
C-se: E a repercussão do editorial?
NS: Recebemos dezenas de mensagens de apoio (O Comunique-se apurou que, até o final da tarde, apenas um e-mail criticando a posição da Gazeta havia chegado à redação do jornal). Apoio de leitores, da população, de lideranças empresariais, de políticos. Isso nos faz ter a consciência tranquila em relação à atitude que tomamos.
(Por Bia Moraes, de Curitiba – Portal Comunique-se – em 2/8/2006)
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